“De maneira geral, indicadores subjetivos e objetivos concordam que a imagem de nossos problemas sociais projetada na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/ IBGE) é ainda grotesca, mas houve melhoras desde 2003”.A análise é do economista Marcelo Neri em artigo na Folha de S.Paulo, 03-07-2010.
Eis o artigo.
A nova Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/ IBGE) representa ponto de inflexão no modo como a sociedade do país se enxerga no espelho dos indicadores sociais. Por exemplo, a pobreza é menor na POF do que nas demais pesquisas, como a Pnad - respectivamente, 10% e 16% da população dispõem de renda per capita menor que R$ 140 por mês.
Essa diferença se deve ao fato de a POF captar a despesa não monetária, que corresponde a 13% da renda das famílias em geral e o dobro disso nas famílias pobres. O numerário da medição dos avanços sociais pós-POF não será mais renda, e sim consumo, que a POF é a única a captar. Esse é um ganho, pois as pessoas extraem bem-estar dos bens e dos serviços consumidos, e não do valor de seus contracheques.
Em 2010, não haverá Pnad, pois é ano de Censo, e já em 2011 haverá uma revolução estatística, com a integração da Pnad, da PME e de uma mini-POF em uma única pesquisa trimestral.
Mais do que uma sopa de letras e números, o novo sistema de pesquisas domiciliares "ibgeano" privilegiará o consumo para integrar os efeitos de políticas públicas (programas sociais, aposentadorias etc.) e ações privadas no mercado (financeiro, de trabalho etc.) ou fora dele (não monetárias).
A POF não é uma bola de cristal, mas permite antever alguns dos mais sérios problemas brasileiros, medindo peso e altura das crianças, um indicador que não habitava nem os sonhos dos gestores públicos. Um país de crianças nanicas e subnutridas no futuro será econômica e socialmente nanico.
Além disso, a POF permite olhar mais longe no espelho retrovisor dos indicadores sociais. Ela dá um retrato das mudanças de prazo mais longo que a Pnad, a principal referência social no país. A primeira Pnad disponível é de 1976, e a primeira POF nacional data de 1974/75.
Há ainda ganho de atualização na POF, pois a Pnad mais recente é de setembro de 2008, e a POF, centrada em janeiro de 2009. A POF anterior é de 2002/ 03, o que nos permite captar o período de ouro cercado por duas crises, iniciado naquela associada às incertezas das eleições de 2002 - quando US$ 1 chegou a custar R$ 4 - e encerrado no pós-crise externa de 2008. As duas últimas POFs permitem medição rica da chamada Era Lula. Se não vejamos:
O crescimento da renda familiar média divulgado pelo IBGE é de 10,8% entre POFs. Com a redução do tamanho das famílias de 3,62 para 3,3 pessoas, a renda familiar per capita, que é o que importa para o bem-estar, cresce o dobro: 21,7%. Esse número é equivalente ao da Pnad.
A expansão do PIB per capita foi superada em oito pontos percentuais pela renda calculada diretamente a partir de pesquisas domiciliares como a Pnad e a POF. Segundo a POF, a renda dos 10% mais pobres sobe 42,1%.
A dos 10% mais ricos, 13,3%, ou seja, o bolo de renda cresceu, mas com mais fermento entre os mais pobres. Entre as duas últimas POFs, a proporção de pessoas pobres cai de 18% para 10%. A POF é a única pesquisa a avaliar a evolução da percepção das pessoas sobre pobreza. A proporção de famílias que tinham dificuldade de chegar até o final do mês com o orçamento caiu de 85% para 75%.
De maneira geral, indicadores subjetivos e objetivos concordam que a imagem de nossos problemas sociais projetada na POF é ainda grotesca, mas houve melhoras desde 2003.
O alto nível da desigualdade brasileira é como um astro visível de outras partes do globo. Se os cientistas sociais fossem astrônomos e a renda dos brasileiros fosse uma nuvem de estrelas, as últimas POFs seriam o supertelescópio situado no lugar e no período certos para avaliar o início dos seus movimentos.
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